quarta-feira, 22 de abril de 2009

Leituras de Viagem

Em vez de o Inferno, esse Dante desejava o Purgatório, só assim ele reencontraria seu primeiro e único amor Beatriz, que já estava por lá a sua espera. É somente assim, pra não comprometer o final da história, que posso resumir do livro PURGATÓRIO: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE DANTE E BEATRIZ (editora Planeta – 2007) que li durante minha viagem de ônibus - numa pseudo “classe executiva” da viação Cometa - de ida e volta entre Sampa e Beagá. Essa é uma louca história “fantástica” escrita por Mário Prata, que mistura espíritos que se comunicam com os vivos através de outlook, e-mail e messenger; ex-jogadora de Vôlei que virou dona de casa; sogra alcoólatra e ninfomaníaca; uma gostosona esperta que é esposa do chefe; um homossexual vidente, tudo isso numa trama maluca que serve como bom entretenimento durante viagens ou em ocasiões parecidas.
Agora. O legal dessa história – e que eu não sabia – é que antes de se tornar livro, ela virou peça dirigida por Roberto Lage em 1984, e bem depois, em 2006, Prata adaptou e contemporaneizou o texto que foi publicado em “folhetim” – em 40 capítulos – em sua coluna no Caderno 2, do Estadão.
Para quem não sabe, folhetim é o formato clássico em que grandes escritores (Machado de Assis, Lima Barreto, Charles Dickens, Gustave Flaubert, Émille Zola entre outros) lançaram seus melhores romances, mas que infelizmente não há mais espaço para ele na grande impressa, devido a um conceito atual de jornalismo prático e moderno, cuja filosofia aplicada não compreende esse formato, distanciando-se por completo do jornalismo literário.

Outro livro que levei pra ler durante a viagem foi BALÉRALÉ de Marcelino Freire, este era o único livro do autor que me faltava, por sorte eu o encontrei num sebo por 10 realitos. São 17 de contos que falam de prostitutas, de travestis, de crianças exploradas sexualmente, tudo é regido por desgraças, horror, melancolia, risos e beleza. Ficção real que se encaixa no sotaque e no ritmo pernambucano de Marcelino (quem já ouviu o autor ler seus textos sabe do que estou falando). Vejam um trecho de “PAPAI DO CÉU”:

“...eu achei engraçado papai chamar mamãe de puta e um dia eu chamei mamãe de puta e mamãe não achou engraçado eu chamar mamãe de puta e eu vi mamãe reclamar com papai e papai reclamou comigo porque eu chamei mamãe de puta mas ele vive chamando mamãe de puta e eu nunca mais chamei mamãe de puta mas já ouvi outra vez papai chamar mamãe de puta aí eu não entendi por que eu não posso chamar mamãe de puta se papai ele chama mamãe de puta e mamãe diz que puta é a mãe dele e eu não sabia que a mãe de papai era puta mas eu não quis chamar vovó de puta porque eu logo pensei que ela ia reclamar com mamãe que eu chamei ela de puta porque só mamãe pode chamar vovó de puta um dia eu quero ter uma irmãzinha só para poder chamar ela de puta...”

É em BALÉRALÉ que está o conto Homo Erectus que virou animação na mão de Rodrigo Burdman – com narração do mito Paulo Cesar Peréio – que você poder ver no vídeo que segue abaixo.
Ah, o livro traz na capa a foto de duas múmias que foram encontradas num pântano abraçadas - elas são chamadas de “Os Homens de Weerdinge” - e há quem garanta que esse é “o casal gay mais antigo da Holanda”


quinta-feira, 16 de abril de 2009

"I Want to go back to Bahia"

Meu amigo paulista Luciano Cenci tá quase soteropolitanizado; diz ele que a Bahia já lhe deu régua e compasso e que o molho das baianas já melhorou seu prato, tanto que tentou voltar pra Sampauluição, mas se escafedeu rapidinho à terra de Caymmi. Certa feita, eu, ele e Artur Ribeiro (esse sim, um baiano legítimo) - todos manguaçados – compusemos uma canção que ficou muito legal na interpretação do Artur (camaradas: se vocês se lembrarem da letra - e da melodia – mandem pra mim, ok!).
Bueno. Transcrevo abaixo um mini-conto “inédito” que o Luciano gerou quando amargava uma desagradável fila de atendimento de um posto de saúde.


PINGO NA LONA
Por Luciano Cenci

Uma noite dessa... até que foi gente, tava tudo certo.
E eu que já fui camelô, vendi picolé, de mergulhar peguei até Caramurú – ô bicho feio!
Agora tô aqui de lama até a bunda...
Também foi brabo esse temporal. Êita cacau pesado, que essa lona véia, já cheia de cada bróca, não segurava mesmo! Tanta água de uma vez que eu não sei se nem Iansã já viu igual!
Inda bem que quase todo povo já tinha se saído. Quanta criançada. Quem não tinha escapado tá ensopado feito eu aqui. Mas o sacana que pegou o aguacêro no caminho ficou igual a nós aqui nesse inferno, essa lagoa que era o picadeiro...
Esses ficaram molhado num instante, mas tem tempo, tá em suas casa sequinho, vendo televisão, lembrando do espetáculo de hoje – que foi bonito!
Até os bicho tava feliz... é mesmo: espiando assim parece até que a bailarina era linda, o palhaço engraçado...
Borá Pingo! Tá pensando no quê?!! A bezerra já morreu , morreu todo mundo que tinha que ser! Só falta nós aqui embaixo desse barranco! Não vê que tem esse cemitério aí em cima, já na beira do barranco, querendo cair com muro, osso e defunto e tudo na cabeça de nós três?!
_ É bom que se caí já tâmo enterrado e no lugar certo, né, seu Carlo?
_ Cala essa boca, Pingo!! Isso é hora...?
_ É isso mesmo, seu porra! Faz como Nêgobom: trabalha e fica quieto! Pára de falar merda e acelera nesse balde aí, que esse barranco pode cair mesmo. Não vê que a chuva ainda nem parou! Olha o mastro entortando...
_ Seu Carlo! Da última vez que pegâmo aquele toró em Madrededeus fui eu que fiquei a semana toda limpando a lama sozinho e com fome... senhor não vai fazer isso de novo não, né?
_ Cala essa boca, pingo!! Cê queria que eu matasse os animais de fome?
_ É mesmo. O senhor trata bem dos animal...
_ Que cê tá se rindo de canto aí, Nêgobom?!
_ Seu Carlo! Será que tem algum palhaço enterrado aí nesse cemitério?

_ Deve de ter é um atirador de faca pra cair aqui na gente e cortá logo essa sua língua, seu desgraça!!
_ Podia ter um mágico pra ajudá nóis nessa vida...!
_ Agora você também, Nêgobom??
_ Trabalha seus pôrra! Ou vão ficar aqui a noite toda falando mulequêra e olhando a garôa pelos buraco da lona...!
_ Agora já tem até umas estrela pra vê, né Seu Carlo?
_ Cala essa boca, miséra!!!

terça-feira, 14 de abril de 2009

Uma "Paixão (do povo e) de Cristo" - Ouro Preto -2009

Acho que já fui mais de 7 vezes a Ouro Preto, em Minas Gerais: pra fazer turismo, pra acompanhar amigos, pra ver a famosa “Festa do 12”, pra ver o “Festival de Inverno” e pra rever uma garota muito interessante - já passei até Natal e réveillon na cidade. Só faltava ir pra lá para presenciar o badalado carnaval de rua e as procissões da Semana Santa. Bom, como os amigos ficaram sabendo, estive em Minas neste feriadão e pude ver ao vivo uma das festas religiosas brasileiras mais tradicionais, pra não dizer a mais antiga que se tem registro; a confecção dos tapetes de flores e serragem que enfeitam as ladeiras de Ouro Preto para a procissão do Cristo Ressuscitado, no domingo de Aleluia, começou em 1737. Vão aqui algumas fotos que registrei. (clique nas imagens para ampliá-las)

Ps: enfim um post que minha mãe vai gostar.

Procissão noturna do Cristo tirado da cruz na sexta-feira da Paixão.
Um passeio de trem entre Ouro Preto e Mariana (na foto tô eu tomando café num vagão restaurado pela Vale do Rio Doce)
No sábado, moradores e turistas passaram a noite e toda a madrugada confeccionando os tapetes (eu fiquei até às 4h bebendo umas pigas e registrando tudo - estava garoando)
Procissão das dezenas de irmandades sobre o tapete coloridos na manhã de domingo de Páscoa, ou de Aleluia

"Web-Xarope"


Putz! Acabou o feriadão da Semana Santa e já estou de volta a Sampax – depois, em outro post, coloco aqui algumas imagens que registrei das procissões nas ladeiras paralepepidadas de Ouro Preto. Quero, antes, reproduzir um texto de Carlos Castelo (jornalista, compositor das clássicas do Língua de Trapo, “Concheta” e “Xingu Disco", en la comparcita con Laert Sarrumor) sobre uma discussão de um casal depois de assistir ao filme VICK CRISTINA BARCELONA, de Woody Allen (que ainda está em cartaz por aqui no HSBC/Belas Artes).



VICK CRITINA BARCELONA (Katita e Ruriá)

SAÍDA DO CINE LUMIÈRE - EXTERIOR - NOITE

Katita e Ruriá - ele webdesigner, ela atriz - saem da última sessão de “Vicky Cristina Barcelona” e se dirigem a pé pela calçada até um pé-pra-fora do Itaim.

Discutem sobre o filme que acabaram de ver.

KATITA

- Que tal? Curtiu?

RURIÁ

- Médio.

KATITA

- Médio, é? Por que?

RURIÁ

- Sei lá, achei o filme mais offline do Woody Allen até hoje.

KATITA

- Offline? Por que?

RURIÁ

(cofiando o microcavanhaque)

- Por “n” motivos. A escolha do personagem central, por exemplo, o Juan Antônio. Quer coisa mais offline do que enfocar a vida de um pintor catalão. Em pleno 2009? Numa época onde elegem um presidente negro no país mais poderoso do mundo usando o messenger?

KATITA

- Me explica melhor isso, Ru. Dá um exemplo menos online, por favor…

RURiÁ

- Quer coisa mais offline do que uma tela de pintura? Uma tela não abre pra nada, é fechada em si. É o oposto do que a Grande Rede propõe. O filme só fica nas pinceladas, nas exposições em galerias, no meio físico. Isso é OLD SCHOOL!

KATITA

- Ué, mas ele ia enfocar em quem mais? Num engenheiro de TI? Será que dava caldo? Um cara desses conseguiria comer aquela mulherada toda, fazer elas praticarem suicídio por causa dele? Enquanto ele usasse um calculadora HP? Sei não, Ru, acho que não daria liga.

Ruriá faz uma cara entendiada. E, depois de alguns momentos de silêncio, responde ao comentário da companheira.

RURIÁ

- Olha, cada um tem o seu ponto-de-vista sobre uma história. É a web-democracia, meu bem. A minha visão é a de que o filme é off pra cacete. E, de mais a mais, a trama não dialoga com as redes sociais. Elas não podem cooperar, comentar, interagir. Em resumo, pra mim o Woody Allen não faz filmes pra Geração Y e nem conversa com a Web 2.0.

BAR PÉ SUJO - INTERIOR - NOITE

Garçom idoso coloca uma garrafa de Serramalte e dois copos americanos na frente do casal.

KATITA

- Mas por que o Woody Allen deveria estar preocupado em criar para Geração Y ou para a Web 2.0? Meu, o cara passa metade do tempo com a Penélope Cruz e a outra com a Scarlett Johansson…

Ruriá bebe um longo gole da cerveja, dá uma babadinha e usa o guardanapo para limpar o canto da boca.

RURIÁ

- Melhor pra ele, mas seria mais coerente com o tempo em que estamos. Sem contar que aqueles diálogos que ele põe na boca dos personagens...

KATITA

- Geniais!

RURIÁ

- Prolixos! Cada fala daquela não cabe em três vídeos do Youtube. O cara simplesmente desconhece web-semântica!

Kakita se irrita, pede outra cerveja. O velho garçom traz. Ela quase toma a garrafa da mão dele. Coloca no copo, sobe espuma, mas ela bebe assim mesmo, num gole nervoso.

KATITA

- Então tá, senhor sabe-tudo. Como é que você contaria a complexa história daquelas mulheres e daquele pintor catalão de uma maneira virtualmente correta?

Ruriá lança-lhe um olhar frio. E responde com grande segurança e superioridade.

RURIÁ

- Eu faria um game.

FIM

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Uai, Uai!!


AVISO (em verso):

TÔ INDO PRAS MINAS
BEIJO NO UMBIGO
VOLTO NO DOMINGO

quarta-feira, 8 de abril de 2009

TERREMOTOS

Pra quem não sabe, a cidade italiana Áquila, que foi severamente afetada por terremoto nesta segunda e terça, serviu de inspiração para dois filmes que gosto muito. O primeiro se chama “O FEITIÇO DE ÁQUILA”, um longa metragem que conta a história de um casal de amantes que enfrenta, em plena idade média, um poderoso bispo que é o responsável por uma maldição que impede que o amor entre os dois se realize - no filme estão a bela Michelle Pfaiffer, Rutger Hauer e o estreante Mathew Broderick. O outro é o clássico “O NOME DA ROSA”; num monastério beneditino italiano (que na verdade é um castelo em Áquila) ocorrem mortes estranhas durante a baixa idade média. As vítimas aparecem sempre com os dedos e a língua roxos até a chegada de um monge franciscano (Sean Connery), incumbido de investigar os casos, que irá mostrar o verdadeiro motivo dos crimes, resultando na instalação do tribunal da santa inquisição – o filme se baseia no livro “O Nome da Rosa” de Humberto Eco.



E no dia 22 de abril de 2008 Sampa também foi abalada por um terremoto que atingiu 5,2 graus da escala Richter, e à época eu escrevi um texto que republico abaixo

TREMOR EM SAMPA: “SUPERNATURAL”
Por Zeca (23/04/08)

Poucos amigos souberam que há dois meses tive minha primeira falha na Matrix. A condição da cozinha aqui de casa era vexamosa e eu precisava desobstruir de qualquer maneira a pilha de louça suja que me impedia de ver a torneira, o azulejo e o mármore da pia; se esse cômodo não fosse na entrada do apê talvez eu não me importasse, mas vá se me aparece uma visita inesperada... Exatamente no momento em que, velozmente, me agachei pra pegar o talher que despencara da pia foi que senti uma tontura estranha; a cabeça girou e eu fechei os olhos, permanecendo-me estático e ajoelhado. O susto durou aproximadamente cinco segundos, o suficiente pra me fazer procurar um Otorrinolaringologista que pudesse detectar essa falha.

Pois passado esse tempo, estava eu no computador, nesta terça-feira, pouco depois das nove da noite, vendo o clipe e tentando entender a letra de SUPERNATURAL SEPERSERIOUS do novo disco do R.E.M. quando tive a segunda falha na Matrix. Só que, como eu estava sentando, o epicentro da tontura estranhamente se localizou na bunda, emitindo ondas pelo resto do corpo, que durou menos de três segundos dessa vez. Levantei-me da cadeira de imediato e um pouco assustado. Caralho! Vou ter que procurar um Otorrino, mesmo, exclamei.

Meia hora depois, minha irmã me liga: “E aí mano, sentiu também?” "O quê, cara-palida?" “O tremor!”. Caspito! E não é que teve um terremoto em Sampa, mesmo. Rapindinho vou para os portais da Falha e do Estadão e eles confirmam o evento com poucos detalhes, somente relatos de pessoas que moram em andares altos e que se assustaram (e eu que moro no décimo?) . Mais tarde, num telejornal, fico sabendo que houve um tremor no mar a duzentos e tantos quilômetros de São Vicente (no litoral paulista). Parece que o abalo atingiu 5,2 dois graus na escala Richter e foi sentido em toda região Sudeste, dizem até que foi o mais forte dos últimos cem anos no Brasil.
Bueno. Acho que vou retardar a visita ao Otorrino.