quinta-feira, 29 de julho de 2010

"6 RAPIDINHAS"

1. Hoje, no SESC Santana, tem “Pagu 100 Oswald 120”, um espetáculo musical com José Miguel Wisnik, Celso Sim, Cristóvão Bantos, celebrando a obra poética dos escritores paulistas Patrícia Galvão (Pagu) e Oswald de Andrade. SESC Santana, av. Luiz Dumont Villares, 574, às 21h – de 4 a 16 realitos.

2. Não deixem de ver nos cinemas, nem que chova canivete, o excelente documentário que mostra a extraordinária trajetória do grupo de dançarinos brasucas, “DZI CROQUETTES”, que abalou Paris. Em Sampa está em cartaz no cine Belas Artes (sala Mario de Andrade), no Frei Caneca Unibanco Arteplex (sala 5) e no Reserva Cultural (sala 3)

3. Outro documentário bacana é "Uma Noite em 67" de Ricardo Calil e Renato Terra, que estréia amanhã. Um filme sobre o dia da final do 3º Festival da Música Popular, promovido pela TV Record em 21 de outubro de 1967. Tem algumas imagens inéditas e muitos depoimentos. Entra em cartaz no Frei Caneca Unibanco Arteplex e no
Espaço Unibanco Augusta.

4. E nos cinemas tem também o imperdível filme de Tarantino, "À Prova de Morte" - belos diálogos, belas moçoilas, e, principalmente, bela trilha anos 70 - um final que deixa satisfeita qualquer feminista. O longa está em cartaz em várias salas aqui em Sampa.

5. Estreou ontem “O Predador Entra Na Sala” de Marcelo Rubens Paiva. A peça, dirigida pelo autor, retrata os conflitos de idade entre uma jovem e um velho roqueiro. Com Raul Barretto e Anna Cecília Junqueira, está no Espaço Parlapatões (as quartas e quintas), Praça Roosevelt, 158 (15 e 30 realitos). No ano passado assisti outra montagem escrita e dirigida por Marcelo Paiva, "A Noite mais fria do ano", que considero uma das melhores que vi em 2009.

6. Nesta sexta e sábado acontece o lançamento de "Um Bom Lugar pra Morrer", novo livro de poemas de Mario Bortolotto. No dia 30, a partir das 19h, rola na Mercearia São Pedro, rua Rodésia, 34, e dia 31, no Coletivo Galeria, rua dos Pinheiros, 493, a partir das 20h Abaixo, um poema do livro.

UM LUGAR LEGAL PRA ESTAR
(WHEN THE MUSIC STOPS)

Ela me disse casualmente
que havia notado a mancha de sangue na minha camisa
Disse a ela: Não se preocupe, não é nada
Ela respondeu: Eu não tô preocupada
Resmunguei: é melhor assim
Achei que podia me divertir um pouco
assistindo uma luta de boxe na tv
Tirei a camisa manchada de sangue e joguei no tanque
Ela vestiu uma micro-saia e saiu pra rua
Abri uma cerveja e resolvi esperar
Os ponteiros do relógio eram guilhotinas no meu pescoço
Quando ela voltou, não falei nada
Fiquei no escuro vendo ela se mexer
deixando cair sua saia
no caminho pro banheiro
Deixou a luz acesa e ouvi o barulho
não vou usar de eufemismos nesse momento
pra dizer o que ela estava fazendo
somos um casal com tempo de serviço
nossa indiferença mútua provava isso
meu enorme peso no sofá atestava isso
Ela acendeu um cigarro no escuro da sala
e a chama do isqueiro fez com que ela me notasse
"é mais difícil do que você imagina", ela disse
e o seu desprezo me acertou como um blefe de pôquer
Ainda ficou um tempo olhando pra mim
antes de vencer o orgulho e perguntar
"O que era a mancha na sua camisa?"
"Já disse. Não é nada. Não precisa se preocupar"
Ela soltou um foda-se e foi pro quarto,
deitou e ficou fumando olhando o teto
Levantei e fui até o banheiro
Cambaleei e tive que me apoiar na porta
Abri o armário e peguei o mercúrio cromo
ou você não sabia que a maioria das histórias de amor
terminam com alguém limpando as feridas?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Futebol Com as Veias Abertas

Por ter horários de trabalho flexíveis me preparei para ver muitos jogos da copa 2010 na África, agora tô sentido falta dos bate-papos sobre as pelejas que rolavam no elevador, no busão, no boteco, no facebook e no twitter. Entonces, a copa se foi, mas para quem gosta do bom futiba (como eu) republico aqui o belíssimo texto INSÓLITO que o escritor Eduardo Galeano publicou na Falha de S. Paulo de hoje.

JÁ TENHO SAUDADE DAS VUVUZELAS, DA FESTA E DO LUTO, PORQUE, ÀS VEZES, O FUTEBOL É UMA ALEGRIA QUE DÓI.

Pacho Maturana, colombiano, homem de vasta experiência nestas lides, diz que o futebol é um reino mágico, onde tudo pode acontecer. A Copa confirmou suas palavras: foi um Mundial insólito.
Insólitos foram os dez estádios onde se jogou, belos, imensos, que custaram uma dinheirama. Não se sabe como fará a África do Sul para manter em atividade esses gigantes de cimento, desperdício multimilionário fácil de explicar, mas difícil de justificar em um dos países mais injustos do mundo.
Insólita foi a bola da Adidas, ensaboada, meio louca, que fugia das mãos e desobedecia aos pés. A tal da Jabulani foi imposta, apesar de não agradar aos jogadores. De seu castelo em Zurique, os senhores do futebol impõem, não propõem. Têm o hábito.
Insólito foi a todo-poderosa burocracia da Fifa ter reconhecido, após tantos anos, que será preciso estudar uma maneira de ajudar os árbitros nas jogadas decisivas. Não é muito, mas já é alguma coisa.
Até mesmo esses surdos de surdez voluntária tiveram de ouvir os clamores desencadeados pelos erros de alguns juízes, que no último jogo chegaram a ser horrorosos. Por que temos que ver na TV o que os árbitros não enxergaram ou, quem sabe, não puderam enxergar?
Clamores do bom senso: quase todos os esportes -basquete, tênis, beisebol e até esgrima e corridas de carros- usam a tecnologia para sanar dúvidas. O futebol não.
Os árbitros podem consultar uma invenção antiga chamada relógio, para medir a duração dos jogos e o tempo a descontar, mas estão proibidos de passar disso. E a justificativa oficial seria cômica se não fosse simplesmente suspeita: o erro faz parte do jogo, dizem. E nos deixam boquiabertos, descobrindo que "errare humanum est".
Insólito foi o primeiro Mundial africano ficar sem países africanos, incluindo o anfitrião, já nas oitavas. Só Gana sobreviveu, até perder para o Uruguai no jogo mais emocionante do torneio.
Insólito foi a maioria das seleções africanas manter viva sua agilidade, mas perder autoconfiança e fantasia. Muitos correram, mas poucos dançaram. Há quem diga que os técnicos, quase todos europeus, tenham contribuído para esse esfriamento.
Se assim foi, fizeram pouco a um futebol que tanta alegria prometia. A África sacrificou suas virtudes em nome da eficácia, e a eficácia se destacou por sua ausência.
Insólito foi que alguns africanos brilharam, mas nas seleções europeias. Quando Gana pegou a Alemanha, enfrentaram-se dois irmãos negros, os Boateng: um com a camisa de Gana e o outro com a da Alemanha. Dos ganenses, nenhum jogava o campeonato do país. Dos jogadores da Alemanha, todos jogavam o Alemão. Como a América Latina, a África exporta mão e pé de obra.
Insólita foi a melhor defesa do torneio, obra não de um goleiro, mas de um goleador. O uruguaio Suárez deteve com as duas mãos, na linha do gol, uma bola que teria eliminado seu país. Graças a essa patriótica loucura, ele foi expulso, mas o Uruguai não.
Insólito foi o percurso do Uruguai. Nosso país, que tinha entrado na Copa a duras penas, jogou dignamente, sem se render, e chegou a ser um dos melhores. Alguns cardiologistas nos avisaram que o excesso de felicidade podia ser perigoso à saúde.
Muitos uruguaios, que parecíamos condenados ao tédio, festejamos esse risco, e as ruas viraram festa. O direito de festejar os próprios méritos é sempre preferível ao prazer que alguns sentem com a desgraça alheia.
Ficamos em quarto lugar. Fomos o único país que pôde evitar que a Copa acabasse sem ser mais que uma Eurocopa. Não por acaso, Forlán foi eleito o melhor jogador.
Insólito foi o campeão e o vice da Copa anterior terem voltado para casa sem abrir as malas. Em 2006, Itália e França fizeram a final. Agora, encontraram-se na saída do aeroporto. Na Itália, multiplicaram-se as críticas a um futebol jogado para impedir que o rival jogue. Na França, o desastre provocou crise política e incendiou fúrias racistas, porque quase todos os atletas que cantaram a "Marselhesa" eram negros.
A Inglaterra também durou pouco. Brasil e Argentina sofreram cruéis banhos de humildade. Meio século atrás, a Argentina foi recebida com chuva de moedas após uma Copa desastrosa, mas desta vez recebeu boas- -vindas de uma multidão que crê em coisas mais importantes que o êxito ou o fracasso.
Insólito foi que faltaram ao encontro os superastros mais aguardados. Messi quis comparecer, fez o que pôde, e viu--se alguma coisa. Dizem que Cristiano Ronaldo esteve lá, mas ninguém o viu: talvez tenha estado ocupado demais vendo a si mesmo.
Insólito foi uma nova estrela, inesperada, ter surgido da profundeza dos mares e se elevado ao ponto mais alto do firmamento futebolístico.
É um polvo que vive num aquário da Alemanha, de onde formula suas profecias. Chama-se Paul, mas poderia se chamar Polvodamus. Antes de cada jogo, davam a ele a opção de escolher entre mexilhões que levavam as bandeiras dos dois rivais. Paul comia os mexilhões do vencedor, e não errava.
O oráculo octópode influiu decisivamente sobre as apostas, foi ouvido no mundo inteiro com religiosa reverência, foi odiado, amado e até caluniado por alguns ressentidos, como eu, que chegamos a suspeitar, sem provas, que o polvo era um corrupto.
Insólito foi que no fim houve justiça, o que não é frequente no futebol e na vida. A Espanha venceu a Copa pela primeira vez. Quase um século esperando. O polvo anunciou, e a Espanha desmentiu minhas suspeitas. Ganhou merecidamente, por obra e graça de seu futebol solidário, um por todos, todos por um, e pelas habilidades assombrosas de um pequeno mago, Iniesta. Ele prova que, às vezes, no reino mágico do futebol, há justiça.

TRANCADO
Quando a Copa começou, pendurei na porta de minha casa um cartaz que dizia "Fechado em razão do futebol". Quando o tirei da porta, um mês depois, já tinha disputado 64 partidas, cerveja na mão, sem me mexer de minha poltrona favorita.
Essa proeza me deixou exausto, com os músculos doloridos e a garganta gasta. Mas já estou com saudade.
Já começo a ter saudade da insuportável litania de vuvuzelas, da emoção de goles impróprios para cardíacos, da beleza das melhores jogadas repetidas em câmara lenta.
E também da festa e do luto, porque, às vezes, o futebol é uma alegria que dói, e a música que celebra alguma vitória dessas soa muito próxima do silêncio retumbante do estádio vazio, onde a noite já caiu e algum derrotado continua sentado, sozinho, incapaz de se mexer, em meio às imensas arquibancadas sem ninguém.

EDUARDO GALEANO, escritor e jornalista uruguaio, é autor de "As Veias Abertas da América Latina", "Memorias del Fuego" e "Espelhos Uma História Quase Universal"

Tradução de CLARA ALLAIN

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Quase um Necrológio.

Se fiquei um tempinho sem aparecer no blog é porque estou agilizando algumas coisas para antes dos poucos dias de férias que tenho em julho. Mas agora volto cheio de vontade. Um pouco triste por tantos falecimentos nestes últimos dias. Se eu os tivesse relatado aqui o blog pareceria um necrológio. Primeiro foi Saramago, depois Guzik; nas semanas seguintes morreram o editor e poeta Massao Ohno e o grande Roberto Piva, que por falta de grana pro seu tratamento médico, em março deste ano, participei de um encontro pra lá de bacana onde rolou muita música, declamações e declarações de admiração ao nosso primeiro Beatnik ( uma coincidência: Piva, que retratava a dureza humana na metrópole, foi editado pela primeira vez por Massao Ohno). É tamanha minha admiração por Piva que já falei dele em diversos posts por aqui. Na sexta passada passou um documentário na TV Cultura com depoimentos de amigos do poeta, como a do professor Davi Arrigucci Jr que disse que num encontro entre nobres acadêmicos paulistanos, o ex-presidente FHC fora eleito o “Intelectual do Ano”. Piva, com muito vinho na cachola, bradou para o público presente: “se Fernando Henrique é o ‘intelectual do ano’ eu sou o ‘intelectual do ÃNUS’”. Certa vez, Piva fora convidado por alunos de uma faculdade para falar sobre democracia, antes de iniciar o bate-papo o poeta disse não saber por que tinha sido convidado, já que ele era um monarquista assumido. Piva se apropriava da ironia de Salvador Dali, que também se assumia monarquista, por acreditar que enquanto o poder se centraliza, na monarquia, num lugar somente, o povo vai farra em qualquer canto. Coisa de maluco.
Especialmente para o blog eu filmei Alberto Marsicano, Mario Bortolotto e Xico Sá durante a homenagem ao Piva que rolou no Espaço Cultural B_arco em março passado. Para vê-los clique
aqui.

Agendando: Hoje, segunda-feira, dia 12, a partir das 10h até 17h, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, vai falar sobre as propostas de mudanças da Lei de Direito Autoral no Itaú Cultural (Av. Paulista, 149). O debate é sobre o autor, o artista e o direito autoral brasileiro, promovido pelo Conselho Brasileiro de Entidades Culturais. Devem participar escritores, dramaturgos, atores, cineastas, músicos, etc.
Às 19h na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, ainda na Av. Paulista 2073, vou ao bate-papo entre os geniais Raimundo Carrero e Reinaldo Moraes
Na quinta-feira, dia 15, às 20h, tem bate-papo com a escritora e filosofa Marcia Tiburi no Sesc-Vila Mariana. Vai rolar também o lançamento do novo romance de Tiburi, “O Manto”.
Bom. Já estou com a reserva garantida no Hostel de Paraty para a FLIP 2010, que este ano tá meio chocha. De legal estarão por lá os historiadores Peter Burke e Robert Darnton, o músico Lou Reed, e o quadrinista Robert Crumb. Entre os brasucas só verei Ferreira Gullar, Reinaldo Moraes e Hermano Viana. O homenageado deste ano é o antropólogo Gilberto Freyre, para tal, a organização da Flip convidou o “pseudo-sociólogo” (as aspas são minhas) Fernando Henrique Cardoso para a cerimônia de abertura da qual eu não participarei nem de graça. FHC pra mim está morto e enterrado. Como sabiamente diz minha mãe, esse sujeito “não fede nem cheira”.
Abaixo, um soneto que o poeta Glauco Mattoso fez para Roberto Piva.

PROFANO PROPHETA [soneto 3390]

Esperma de palavra se deriva
em fertil mente e em lyra creativa.
Semantica ou syntaxe, só, não basta
nem são imprescindiveis metro e rima
si a escripta surprehende e a penna é vasta.

Conheço um tal poeta e nelle vejo
de olympicas metropoles o exgotto,
o gozo azul de impubere garoto,
o samba em harpa e o rock em realejo.

É magico e sublime o pederasta
que do maldicto mytho se approxima
e do castiço canone se afasta.

No orgasmo oral dos jovens está viva
a chamma que deixou Roberto Piva.