sexta-feira, 24 de junho de 2011

TAMANHA DIFERENÇA




Arrepare não, mas enquanto eu engomava a calça, dona Conceição, minha mãe, se ocupava do almoço e da pule do bicho que talvez lhe premiasse com algum terno ou duque de dezena na PT (Para Todos) daquele sábado – gozado que apostar no bicho virou hábito de minha mãe e de todo o povo da terceira idade no bairro onde ela mora. Bom. Mas não é disso que quero falar... Enquanto eu passava a calça que acabara de encurtar a barra (por que será que em toda calça nova sou obrigado a mexer no comprimento? Nunca, na minha existência, teve umazinha só que ficasse perfeita), na televisão da sala rolava um programete vespertino cheio de futilidades, com celebridades novelísticas globais sendo entrevistadas por uma loira cujo marido narigudo viria, logo a seguir, entulhar mais ainda o mesmo canal de tevê com outro programete de entretenimento insignificante. Mas também não é disso que quero falar... Dona Conceição na cozinha com seus afazeres, eu na sala lidando com a calça e com o moderno ferro elétrico bom para passar até encerado de caminhão. Eu absorto em alguma coisa que não tão relevante quanto o que se passava na televisão. Porém, sou demovido da idéia anterior de desligar o aparelho de tevê porque surge na tela a mais formosa dama do lotação, a dona Flor, a Gabriela do cravo e da canela. Belíssima. Sorridente num tubinho preto, desfilando na passarela do meu coração (ops,exagerei no lirismo), do SPFW São Paulo Feshion Week. Com os cabelos negros soltos ela vai de um lado a outro, sempre sorrindo, cheio de curvas, diferentemente das magricelas, das tísicas, das defuntas que abundam (sem bundas) nesse famoso e badalado evento da moda paulistano. Sônia Braga, a mais perfeita tradução da beleza, da sensualidade brasuca (desejo masturbatório de todo nerd e cafá dos anos 70 e 80), aos 61 anos de idade, era a personalidade reportada no programete. “ Jisuis! Quanta gostosura! Que bitelão de mulé!!”, exclamei. Mi madrecita, da cozinha, ouviu meus louvores e quis saber o que se passava... “É a deusa Sônia Braga, mãe! A sexagenária mais boazuda deste país está desfilando na Feshion Week”, respondi. “Manhê, eu trocaria duas de 30 pela Sônia Braga de 61...” “Credo! Que mau-gosto”, disse minha mãe lá da cozinha. “Que isso, mãe!! Tô falando da Tigresa que até o Caetano traçou.” E dona Conceição: “Xiii! Cê gosta dessa velha sem graça?” “Ô, mãe, eu viveria o resto da minha existência só na safadeza com essa mulher”, retruquei. “Quê que deu em você? Só pode tá doente...” Intervalo no programete. Fim das imagens da musa na tevê. “Concordo que a Sônia Braga envelheceu, mãe, mas ela tá mais em cima que muitas luanas-piovanis e déboras-seccos”. Minha mãe discorda de tudo que digo da deusa, e ainda me chama de doido. “Só maluco ou intereceiro vê beleza nessa sem-graça”. As despeitadas dirão que é plástica (mais botox e silicone) que mantém sexagenárias como Sônia Braga e Vera Fischer ainda apetitosas. “Não sabia que você gostava tanto dessa velha insuportável... seu gosto me dá nojo ”. Termino de passar a calça nova e vou pra cozinha onde minha mãe está confabulando sobre em que bicho pôr sua fé. “Dona Conceição: como meu tesão pela Sônia Braga lhe causa ‘nojo’??”, pergunto já com certa irritação. “Xiii! Falha nossa, meu filho!” Rindo muito, minha mãe tenta se desculpar. “Rarará! Desculpe! Quem tá ficando velha sou eu... é que eu podia jurar que você disse ‘ANA MARIA BRAGA" e não ‘SÔNIA BRAGA'’”. “Creeeedo, mãe! Quanta diferença!!

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