sexta-feira, 10 de julho de 2009

PORNOPOPÉIA

Zeca, você é... você é... patético. Cê jura que vai passar a vida toda se drogando feito um idiota? Qualquer hora morre aí, meu.
Qualquer hora todos morreremos, aqui, ali, alhures. Vai ser um problema a menos na minha vida. E na sua também.
Isso é verdade.
Aproveitei o instante de silêncio e colhi uma crosta de pó grudada na borda duma narina.
Quando é que você vai parar de cheirar pó, Zeca? Hein? Me diga.
Porra, às vezes acho que me casei com a mulher-maravilha com superpoderes de perdigueira televidente.
Lia, tô tentando parar. Hoje em dia quase só cheiro pra trabalhar.
Zeca, a gente precisa ter uma conversa muito séria. Ouve de novo a minha proposta na tua secretária eletrônica. E sóbrio, se isso ainda for possível.
Eu tô sóbrio. E afogado em trampo.
Não quer nem saber como tá o Pedrinho? Seu filho, lembra?
Quê que tem o Pedrinho?
Zeca, me faz um favor, ta? Vai à merda!
E desligou.
Aquele “vai à merda!” soou como um acorde terminal de bandoneon nos meus ouvidos. Um alvará pra zoar à vontade por mais 24 horas.
Nem dez segundos depois, toca o telefone. Dona Lia de novo:
E pode me dar quatro mil reais. Preciso de quatro mil reais até amanhã.
Não tenho. Nem um.
Trate de arranjar. Você tem filho, tem casa, tem mil obrigações. Eu é que tenho que arcar com tudo sozinha? Por que? Faz meses que você não bota um centavo aqui.
Vou botar, Lia, vou botar ovo amarelinho no seu ninho.
Tô esperando. Dinheiro! Ovo, não.
Era uma metáfora, benzinho.
Zeca, você é doido. Sempre foi doido. Mas agora virou um doido varrido.
Com duas vassouras!
Olha aqui, se aparecer um gabiru na minha vida de novo, não reclama. Culpa sua!

E socou mais uma vez o telefone no gancho.
Culpa minha? Ela abre as pernas, vem um lá, enfia o pau na buceta dela, e a culpa é minha?
Não seria a primeira vez, de fato, como a própria patroa me confessou, noite dessas, depois de duas garrafas de vinho e uma bomba compartilhada, numa noite sem Pedrinho nem empregada. Fiz o número do corno magoado, mas conformado. É que a mulherada prefere. Na real me deu foi um puta tesão por ela. Caí matando na véia. Ela ter dado pra outro cara reinstituiu a sacanagem na parada. Bela trepada, amigo, nem parecia conjugal. (...) Depois, fumando um beque na cama, pedi mais detalhes da traição, a ver se me animava a dar uma segundinha. Acho que é a tal volúpia do corno que tanto falam por aí. Ela jurou, em todo caso, que o rolo tinha acabado fazia mais de um ano. O cara era sociólogo como ela, só que do Rio. Tinham se conhecido num fórum esquerdofrênico em Porto Alegre. Deve ser desses barbudinhos míopes que apóiam as FARC, o Chaves, Fidel, Evo Morales, Heloisa Helena e só ouve samba de raiz nas gafieiras de classe média providas de um número suficiente de negros para parecerem populares.
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O texto acima é um trecho do PORNOPOPÉIA, romance de REINALDO MORAES que tá fresquinho nas livrarias. Fazia um tempão que eu não lia um livro de 475 páginas em menos de duas semanas (levei o livro pra minha viagem pro Recife e não o larguei durante os primeiros dias – terminei a leitura na Praia de Boa Viagem, que vidão!). Também fazia um tempão que eu não me apegava a um personagem como a esse Zeca; um ex-cineasta marginal, com um único longa-metragem no currículo (“Holisticofrenia”, o nome de seu filme). Não vou dizer que eu me identifiquei com esse Zeca, apesar de tantas coincidências (o personagem mora em Perdizes, freqüenta a Mercearia São Pedro, tem a minha idade, tem bom-humor, tem amigos no Butantã, entre outras cositas). PORNOPOPÉIA, como diz o autor, é uma epopéia pornô de um Zeca que vive o seu mundo em busca do prazer imediato, muito sexo e drogas. Às vezes politicamente incorreto, vaidoso, racista e mesquinho.

Li no blog do Marião (Bortolotto) que o livro de Moraes era um romance de 1.000 páginas, mas que depois de um processo longo e muito “doloroso” ele conseguiu enxugar para 475 páginas. Reinaldo Moraes já traduziu Bukowski (que deve tê-lo influenciado neste Pornopopéia) e é autor de “Abacaxi” (de 1985), Órbita dos Caracóis” (de 2003) e “Umidades” (de 2005). E quem souber onde encontrar “TANTO FAZ”, romance de 1981, e reeditado em 2003, me avise, please, que eu estou fissurado pra ler.

Abaixo: o meu Pornopopéia devidamente autografado.

5 comentários:

Thamires disse...

Ola,
Tudo bem?

Trabalho com o Núcleo de Relacionamento e Disseminação em Mídia Social, empresa que presta consultoria ao Governo de Minas, com o objetivo de aproximar cidadãos.

Entro em contato, pois como o seu blog fala sobre cultura e literatura, gostaria de lhe enviar algumas informações - via email - sobre projetos e iniciativas do setor no estado de Minas Gerais. Caso tenha interesse, peço que entre em contato pelo email: thamires@webcitizen.com.br . Duvidas, sugestões e críticas, fico à disposição.

Abs e obrigada.
Thamires Andrade

Laís disse...

Que Zeca mais filho da puta é esse, seu Zeca? hehe!
Bjs.

Monica Vieira disse...

Gosto de suas dicas de leitura. Por sua causa tô lendo Glauco Mattoso - ótima descoberta. Valeu zequinha. Beijunda.

ZECA LEMBAUM disse...

Lais, minha querida, esse "Zeca" é realmente um "filho da puta", mas a forma como o autor descreve a mente e as razões do personagem é ducaraio, diria empolgante. Um Zeca vibrante, talvez meu "walterego".

Monica. Obrigado pelo carinho e que bom que você esta gostando do Glauco. Acho também que você vai adorar ler Reinaldo Moraes, principalmente o Pornopopéia.
BEijo nocê.

lenekuhnen disse...

Zeca, se você ainda esta atrás do Tanto Faz, existe um site de sebos onde consta o livro www.corsarium.estantevirtual.com.br
Beijos