quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"Os Famosos e os Duendes da Morte"

Minha lista de títulos de livros destinada a jovens leitores (jovens, no sentido de iniciantes) anda crescendo. É sempre bom contar com várias opções porque, dependendo do perfil do iniciante, a gente pode acertar na indicação, e quem sabe assim gerar um futuro leitor. E não arrogo vaidade neste meu ato. Pelo contrário. Acho fundamental esse tipo de preocupação em quem curte leitura. Uma de minhas aporrinhações contra algumas feiras de livros (Flip, Bienal do Livro, etc.) é a indiferença quanto à formação do leitor. Os organizadores desses eventos juntam um monte de editoras, vão atrás de Leis de fomento pra descolar grana, encontram um local paradisíaco que lhes dão aval (Paraty, Porto de Galinhas, São Francisco Xavier, etc.), depois se sentem uma grife social de relevância. Puro artifício. Retórica.

Mas voltando. “Os Famosos e os Duendes da Morte” é segundo romance de Ismael Caneppele (Iluminuras - 2010), e o que me chamou a atenção nele foi o filme homônimo dirigido por Esmir Filho (vencedor do Festival de Cinema do Rio de Janeiro em 2009) que conta a história de um adolescente e seu universo numa pequena vila afastada do Rio Grande do Sul. Mesmo com o roteiro bem costurado (e tecnicamente perfeito), senti uma comichão danada pra ler esse livro de Caneppele. E logo de cara fui atraído por sua narrativa poética e deliciosamente melancólica; pelas frases incompletas, por uma certa sensibilidade - mórbida até – diante do conflito de quem esta entre partir ou ficar. Enfim, é um livro de inquietações de um adolescente (que podemos ler ouvindo Bob Dylan), que como todos nós, tem mais perguntas do que respostas.

Abaixo seguem alguns trechos saborosos de
“Os Famosos e os Duendes da Morte”.

Vivemos naquele lugar onde todos dormiam a mesma hora para acordar o mesmo dia. Lá, se lá ainda existisse, seria assim. É. As estações, por mais definidas, pouco influenciam na intensidade real dos acontecimentos e nada contribuíam para que alguma mudança real operasse sobre as pessoas e seus destinos. As vidas precisando se parecer para nenhuma chamar a atenção. Alguns partiam e, quando voltavam, se surpreendiam com a incapacidade de mudança que a cidade conservava. Prédios antigos davam lugar a construções utilitárias, árvores eram arrancadas para não sujar os carros e as gramas cresciam entre os paralelepípedos sufocavam sob grossas camadas de asfalto, mas, por dentro, todos continuavam exatamente iguais, mas mães perdendo os filhos. As meninas engravidando. Os idosos apodrecendo. Tudo tão depressa. Não é preciso ser velho para sentir o tempo. (...)
Não gosto de adormecer no começo da noite. É perigoso acordar no meio dela e não conseguir mais dormir. Quando tem aula na manhã seguinte, mais ainda. Todos os dias da minha vida tem aula na manhã seguinte, e todos os dias serão piores enquanto eu continuar aqui, vivendo uma vida que não é a minha. Dormi e acordei na hora errada. No lugar errado. Acordei quando o sono acabou, mas ainda faltava tempo para a manhã chegar. Liguei o computador e fiquei pegando no meu pau que estava duro. Ele costuma ficar bem duro quando acordo. Não é duro de tesão. Quando bato punheta nessas horas, nunca tem muita graça e acabo desistindo de gozar. É sempre cansativo ter que limpar a sujeira ou dormir com a cueca molhada. É como se a coisa fosse e não fosse.

2 comentários:

Mayra Di Manno disse...

Ola Zeca,
Gostei! Excelente indicação.
Um beijo,

Laís disse...

Vi esse filme na locadora, vou pegá-lo neste fim de semana. Boa dica, querido. Bjs.