quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Manias e Provocações.

Nunca soube o que é um “olhar 43” como naquela canção oitentista (o restante da letra não me ajuda entender que raios o compositor queria dizer). Sei que existe o olhar de “soslaio” de “esguelha” que parecem ser la même chose. Meu avô Guilherme diria “espichar d’ôio”. Bom. O que eu quero dizer com isso é que tenho a mania de ficar de “butuca” – esse vocábulo é de “mano” – no que as outras pessoas estão lendo. Virou vício até. Estico o pescoço, mudo de banco, forço realmente a barra pra assuntar a leitura alheia. Pouco importa se é livro, bula, receituário ou apostila de cursinho. Só sossego quando descubro o título ou o conteúdo do que o vizinho lê. Tamanha insanidade, né mesmo. É, mas essa minha excentricidade, ou esquisitice, já me rendeu dicas inestimáveis. Foi por cima do ombro de uma passageira da linha 775N Rio Pequeno/Vila Mariana que, na primeira metade dos anos 80, li alguns trechos do clássico “Feliz Ano Velho” de Marcelo Rubens Paiva. O livro ainda não era o sucesso que viria a ser e eu fiquei fascinado pela forma solta e ágil da narrativa, tanto que comprei o livro na mesma semana. E aconteceu o mesmo com o “Olga” de Fernando Morais e “Queda Para o Alto” de Herzer. De certo que a decepção com títulos e autores que as pessoas geralmente lêem é mais constante; é muito auto-ajuda de baixo nível, best-sellers da moda (os tops do momento são as edições de auto-ajuda direcionadas a executivos), entre outras publicações esotéricas de conteúdo duvidoso.
Acho ônibus e metrô bons lugares pra leitura, pena estarem tão desconfortáveis e saturados. Às vezes até lamento quando um conhecido entra no ônibus e estou compenetrado nalgum livro - por outro lado, já travei papo bacana com gente que lia algo que muito me interessava.
Coisas entranhas e engraçadas também acontecem: minha amiga Solange , certa vez, lia “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” de José Saramago quando uma senhora que sentava ao lado a parabenizou pela leitura “cristã/religiosa”. Coitada. Mal sabia a senhora do conteúdo ateu do livro e do autor. Acho que foi em março deste ano quando, ao me sentar num banco de ônibus, vi que havia um rapaz compenetrado num livro de capa escura. A princípio não dei atenção ao vizinho; sentei ao seu lado, tirei “Os Demônios” de Dostoievski de dentro da mochila e me concentrei no livro. Só mais tarde me toquei que o cara ao lado lia a Bíblia. Por pura provocação reposicionei a capa de “Os Demônios” para que o carola se assustasse com o título. Recentemente repeti a dose – só que fui mais insolente dessa vez. Depois de atravessar a rua Augusta, já na calçada em frente ao Conjunto Nacional, na avenida Paulista, fui abordado por um Krishna que queria me vender um livro cujo conteúdo defendia alguma filosofia vegeta e outros valores saudáveis. Não teve jeito. Radicalizei: puxei o “Junky” (Drogado) de William Burroughs e mostrei pro teimoso careca afirmando ter predileção por gêneros literários mais “transcendentes”. É isso. Às vezes acordo de pavio curto.

5 comentários:

Claudinei disse...

Zeca, pois eu tenho a mesmíssima mania! Enquanto não consigo ver qual é o livro que a pessoa está lendo, não consigo ficar sossegado. Na verdade, dá uma aflição, uma angústia... e quando a pessoa 'consegue' ir embora sem me permitir descobrir, a frustração é muito grande - heheh. Grande abraço!

Bia disse...

Zé!
Cara, demoro a passar aqui, mas quando passo me divirto! Ótimos textos, parabéns! Bjo!

Silmara disse...

Zeka, fiquei menos encanada ao saber que não sou a única com essa "estranha" mania de assuntar a leitura alheia. Vamos criar uma comunidade, uma religião, ou sei lá... talvez uma terapia em grupo pra dependentes dessa maluquice.
Bjs.

ZECA LEMBAUM disse...

Seguindo a idéia da Silmara que formarmos o "A.A.A.L.A" (Associação Anônima dos Assuntadores da Leitura Alheia)?

Rodrigo Torres disse...

Zeca, me coloque dentro desse seu AAALA - grande idéia!