terça-feira, 18 de novembro de 2008

“Dedicação Total a Você” (ou, Da Casa do Zezinho às Casas Bahia).

Abri este espaço na blogosfera para, além de dar dicas de eventos interessantes, me divertir escrevendo bobagens, mas arrisco neste momento a fugir da proposta para falar de certo assunto que pouco me agrada, que não domino e do qual não pretendo (com este post) exercer influência alguma. Quero apenas transcrever parte do texto que li e que muito me comoveu (entristeceu), já que eu também trabalho numa organização social – não governamental - que propõe idéias e atua com o objetivo de assegurar algum tipo de oportunidade a quem vive condenado pela pobreza.

Falo do “assassinato” de Alberto Milfont Júnior, de 23 anos (que freqüentou a ONG Casa do Zezinho), cometido por um segurança de uma das lojas das CASAS BAHIA, quando o rapaz e sua esposa compravam um colchão. O fato pouco repercutiu e o senhor Samuel Klein, proprietário dessa rede de lojas populares, não veio a público lamentar ato tão bárbaro que se passou numa de suas 550 filiais. De imediato a empresa divulgou nota dizendo-se lamentar do “incidente”, informando que a tragédia foi “fato isolado”.

Como disse Elio Gaspari, “Samuel Klein, hoje um dos homens mais ricos do Brasil, chegou aqui nos anos 50 com pequenas economias. Conseguiu isso porque fez freguesia entre os consumidores de baixa renda. Quando um cliente é assassinado numa de suas lojas, ele não deve permitir que o caso seja tratado como um mero episódio contratual, burocrático. Klein já conviveu, num ponto muito maior, com a banalidade do mal e a irrelevância de vida. Durante a Segunda Guerra, ele foi prisioneiro nos campos de concentração de Maidanek e Auschwitz. Salvou-se porque recebeu a graça da solidariedade humana.”


Segue o texto:
A CASA DO ZEZINHO ESTÁ DE LUTO

Em 1996, a Casa do Zezinho estava engatinhando, formando sua pedagogia do Arco Iris, que abre as portas das possibilidades de sonhos para quem dela faz parte. Sonhos de vida, sonhos de crescimento. Entre os Zezinhos que vieram para cá nesse ano, tinha um, o Alberto, com 10,11 anos, que ficou com a gente por muitos anos, até 2003. Alto, magrinho, alegre e brincalhão. Não perdia a oportunidade de mexer com os outros, de fazer a gente rir. Mas levava a sério o que fazia, participando de tudo. Das oficinas culturais, principalmente. Fazia parte do grupo de dança, que mostrou o Cidadão Zezinho para São Paulo inteiro (...). Fez parte do projeto Clowns, que criou um espetáculo chamado Barraco 3x4, que mostrava e criticava, com muito bom humor, a situação humilhante em que o povo da periferia vive (...) Mas não foi num fim de semana que mataram Alberto. Foi em plena segunda-feira, nas Casas Bahia, que é a grande oportunidade de compra para quem não tem dinheiro. Crediários a perder de vista. E quem perdeu a vista e a vida foi Alberto. Num segundo, com a nota fiscal na mão, Alberto morreu, explicando para o segurança que não era ladrão e sim cliente. Por que estava mal vestido? Ou vestido como todo mundo aqui se veste, porque não pode comprar Nike, Zoomp, ou sei lá quais são as marcas da moda. Uma violência estúpida num mundo estúpido, onde a vida está por um fio. E ninguém ouve ninguém. (...) Os sonhos, o trabalho, o projeto de vida, o filho de 5 meses, a companheira, o colchão que eles foram comprar, tudo fica para trás. Para uma próxima oportunidade.

3 comentários:

Rodrigo Torres disse...

E o bizarro é que as Casas Bahia veicularam, nesta semana, uma grande promoção de colchões em suas lojas.
Essa história do dono das Casas Bahia eu não sabia.
Abração, grande Zé.

ZECA LEMBAUM disse...

Putz, Rodrigão, é verdade! Acabei de ver na tevê. É muita coincidência ou é pouco caso com a tragédia (ou provocação, sei lá...).
Aquelabraço.

Janaína disse...

O arrepio que eu tive quando vi a reportagem na TV se repete agora e com mais intensidade. Um jovem pai de um bebê de 5 meses... A violência está tão perto, mas tão perto, que a dor da perda a gente sente mesmo por quem não conhecemos. É que as histórias são muito parecidas com as nossas. Trabalhadores, consumidores de produtos populares, possíveis clientes das casas bahia. Triste!
Não me lembro de ter aqui em casa algum produto comprado nas casas bahia mas, de qualquer forma, fica aqui o meu protesto: Não compro nada nas casas bahia!