sexta-feira, 18 de junho de 2010

SARAMAGO SEM SER AMARGO


Na Flip de 2009, o mediador da mesa mais esperada, da qual participaria o escritor português Antonio Lobo Antunes, ironizou os organizadores da premiação do Nobel dizendo que eles cometeram um “erro de português” ao indicarem José Saramago vencedor do prêmio em 1998, causando risos na comedida (e aburguesada) platéia da famosa festa literária brasuca. É certo que muita gente confunde (intencionalmente) o escritor Saramago com o comunista Saramago, que mesmo após a queda do muro, do colapso soviético, continuava defendo o socialismo; tanto que, quase 100% das críticas dirigidas a ele advêm de um “ódio” irracional ao seu posicionamento político e não à sua obra literária. Acho normal quando a igreja Católica desce a lenha no ateu Saramago, já que ele nunca fez questão de esconder sua insatisfação (irritação) às “frivolidades” da igreja, dizendo que a bíblia não passa de “um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade” - o que vem desse entrevero, para mim, é chumbo trocado dos bons.

Ao mediador da Flip, eu afirmaria que só cheguei (assim como muita gente que conheço) a Lobo Antunes, graças a Saramago. Sim, porque minha geração não teve informação alguma sobre autores lusos contemporâneos – nosso acesso era somente aos patrícios do passado: Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, Camões e Bocage, isso de forma imposta em sádicos cursos pré-vestibulares. Pessoa, até dava barato, mas os outros... Bom. Saramago, no meu caso, foi arrebatador. O primeiro título que parou em minhas mãos foi “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, uma bomba. Na seqüência, li “Memorial do Convento” (outra bomba) e não parei mais. Assim sendo, naturalmente chegaram a mim (e eu gostei muito) os lusos José Luis Peixoto, José Eduardo Agualusa, João Melo, Mia Couto e, principalmente, Lobo Antunes.
Em 1997 estive num bate-papo sobre literatura no Mackenzie, aqui de Sampa, com a presença de Chico Buarque, Sebastião Salgado e José Saramago. O meu preconceito contra aquela histórica (e conservadora) faculdade me dizia que aquele encontro não acabaria bem, principalmente para o escritor português e suas convicções socialistas, agravado por sua pirra à igreja Católica. Ledo (Ivo) engano. Saramago não apenas foi reverenciado pelos alunos daquela escola, como fora o mais requisitado para autógrafos e afagos, após o evento – isso um ano antes de receber o Prêmio Nobel. Eu, que pensei num possível furor das moçoilas devido aos lindos olhos azuis de Chico Buarque, me dei mal.

Quanto a um possível radicalismo ideológico do escritor, eu lembro bem de sua declaração após o fuzilamento de dissidentes pelo governo cubano: “Cuba não ganhou nenhuma heróica batalha fuzilando esses três homens, mas perdeu a minha confiança, destruiu as minhas esperanças e defraudou as minhas expectativas". Depois que declarei meu desligamento incondicional ao Partido dos Trabalhadores, alguns amigos me perguntam se adotei nova sigla: de bate pronto respondo que sigo o mesmo partido de Saramago: o “PCP, Partido do Cidadão Preocupado, de tendência ultra pessimista”.

Então, meus amigos, nem preciso dizer que estou triste pela morte desse prolífico escritor. Quem quiser saber mais sobre Saramago eu indico “Caderno de Lanzorote I a V”; são os diários onde o escritor fala de seus amigos, da família e de sua condição de auto exilado em Lanzarote (uma ilha espanhola no Atlântico), depois de ter seus livros censurados pelo governo português no começo dos anos 90. Apesar de tudo, não percebi vestigio algum de amargura em tudo que li do escritor.

2 comentários:

Júlia Tavares disse...

Grande Zeca, merecido post!
Aproveite e visite minhas aventuras no Tutu recém promovido à versão 2.0.
Beijão!

Silmara disse...

Adorei a caricatura. Um pouco triste, mas goste.